quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Conservadorismo: significado e perspectivas

No fundo, o conservadorismo consiste na resistência ao projeto tecnocrático, à tentativa moderna de transformar a esfera social numa espécie de máquina universal para a máxima satisfação das vontades e preferências.

Esse projeto vem sendo alimentado há muito tempo. Ele provém de uma compreensão do conhecimento e do mundo cujas raízes encontram-se no início da Era Moderna, de uma compreensão que enfatiza a medição e a Matemática e aceita como real apenas a subjetividade individual e os objetos como os que são estudados pela Física moderna. O projeto está, ainda, relacionado com as formas modernas de organização social: o Estado moderno (com sua enorme burocracia e com reivindicações ilimitadas) e o Capitalismo moderno (com sua energia, sua inovação e seu alcance global, além de sua organização flexível que combina uma complexidade infinita com a clareza e a simplicidade de um princípio básico). Sua aliança com essas formas de organização lhe deixa numa posição extremamente poderosa.

O efeito desse projeto foi a continuidade da reconfiguração radical da vida social. Esse processo pressupôs que a tecnologia tomasse o lugar da tradição, da religião e do Direito natural, que, hoje, são considerados imposições arbitrárias num mundo composto por átomos, pelo vácuo e pelas sensações humanas. Em vez e devoção e formas herdadas, temos a inovação, o marketing, a ciência das organizações e a psicoterapia.

Com a extensão desse processo, entendimentos mais antigas foram tangidos para a margem e passaram a ser vistos como irracionais, opressores e supostamente violentos. O resultado foi uma tendência cada vez de declarar como irracional e simplesmente má qualquer oposição à extensão dos princípios tecnocráticos. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal declarou que o único motivo real para querer manter a definição tradicional e natural de casamento é o desejo de prejudicar as pessoas que preferem outros tipos de união. Essa seria uma interpretação cabível se a ordem social fosse meramente um construto para ajudar as pessoas a atingir quaisquer objetivos que porventura tivessem.

O conservadorismo é o reconhecimento de que há algo de errado com o projeto tecnocrático. A razão não é simplesmente uma questão de adaptar os meios aos fins, e o mundo não pode ser entendido como um sistema composto unicamente por átomos, pelo vácuo e pelas sensações humanas. A tentativa de entendê-lo dessa forma elimina a possibilidade de um sentido, e, como efeito colateral, elimina a racionalidade e a possibilidade de uma ordem social compassiva.

A finalidade última da sociedade humana não pode ser a satisfação individual, pois ela não pode existir sem a aceitação voluntária de algumas concessões. Ela também não pode prosperar negando as formas naturais e os vínculos específicos, como a complementaridade sexual e a história, a cultura e as fidelidades comuns, como base de relações funcionais duradouras. Seja como for, as pessoas não se satisfazem pela satisfação de um desejo simplesmente como tal. O homem vive através do compreender e do sentir, de forma que ele quer saber se seus desejos se justificam e se a satisfação deles é realmente virtuosa. Ele precisa ver a si mesmo como partícipe da ordem das coisas, não como uma ameba que se limita à fagocitose.

A forma esquerdista de tecnocracia deu conta dessa necessidade basicamente religiosa, transformando os "bens" de ordem superior num só "bem" de ordem superior. A devoção murcha se a realização individual for o objetivo maior, mas se a promoção igualitária da realização individual for transformada em objetivo, é possível conseguir um certo grau de fidelidade e concessão. A solução funciona razoavelmente bem para quem comanda o sistema, para aqueles cuja posição e cujas atividades ela aparentemente justifica. Contudo, ela não permite que as pessoas em geral tenham um objetivo ideal na vida, pois o sistema atinge seus fins através de um controle centralizador. O resultado é que a vida das pessoas desce célere ladeira abaixo da maneira descrita por Theodore Dalrymple no livro Life at the Bottom: The Worldview That Makes the Underclass (em tradução livre, "A vida lá embaixo: a mundivisão que cria a classe inferior").

Essa solução também não funciona para os conservadores. Sua falta de lógica irrita, e, aparentemente, é um sucedâneo de baixíssima qualidade de compromissos mais antigos e coerentes como o patriotismo e a religião tradicional. Por isso, o conservador vê o que os esquerdistas chamam de "progresso social" como a traição de tudo o que lhes é mais caro.

Normalmente, o conservador é uma pessoa que sente uma ligação real e sólida com a família, a fé e a comunidade, de forma que seus opositores normalmente enfatizam símbolos, práticas e instituições, não a teoria em si. Os menos teóricos não propõem nada além de moderação. Outros têm exigências mais específicas. Os conservadores do livre-mercado tentam limitar o Estado. Os conservadores populistas tentam limitar o poder das grandes instituições racionalizadas em geral. Os conservadores sociais tentam manter a força e a influência de instituições informais tradicionais como a família.

Todos fracassaram, por um lado porque as tendências sempre foram muito adversas, mas, por outro lado, porque eles subestimaram a abrangência do problema. Os conservadores do livre-mercado são, aparentemente, uma exceção à regra do fracasso. O efeito geral da suas vitórias, no entanto, acabou sendo um socialismo mais refinado, que mantém a supervisão e o controle administrativos gerais, mas depende amplamente das trocas, do lucro e do "capitalismo-amigo" como mecanismos organizadores. O resultado, como mostra a capacidade das empreiteiras com ligações políticas de usar o Poder Público para tomar a propriedade de outras pessoas para uso próprio, é um regime no qual a propriedade privada pode beneficiar aos seus titulares, mas não limita o poder do Estado.

Outros conservadores, que entendem um pouco melhor a profundidade do problema, prestam mais atenção a princípios básicos. Os conservadores religiosos dão ênfase à relevância perpétua do que é sagrado. Os conservadores literários e filosóficos enfatizam as questões intelectuais e espirituais que se sobrepõem à tecnocracia.

Eles também foram derrotados. Um dos problemas é que o enfoque deles ainda não se aprofundou o suficiente. Os conservadores religiosos são fiéis às tradições. Quando sua tradição política e social é fundamentalmente esquerdista, surge um problema. Deus, Pátria e liberdade se misturam, e a maneira mais fácil de lidar com as dificuldades é "maquiá-las" e se concentrar em símbolos e retórica. Os conservadores literários e filosóficos estão politicamente e intelectualmente isolados, e presos por sua posição profissional a um mundo acadêmico que se tornou, na forma do ensino superior brasileiro, uma fonte de verbas públicas que fornece treinamento, conhecimento e propaganda à tecnocracia. Dessa forma, o mundo acadêmico não é um lugar onde o pensamento conservador pode se manter e prosperar.

Os conservadores não apenas perderam todas as suas batalhas, mas, aparentemente, eles perderam a guerra. Depois que o Supremo Tribunal Federal declarou que os opositores do “casamento gay” são inimigos da raça humana, e com o Ministério da Saúde está empenhado na distribuição ampla, geral e irrestrita de contraceptivos e medicamentos abortivos, sobrou muito pouco espaço no Brasil para que se reconheçam as raízes da ordem social na natureza, num princípio transcendente ou numa história e cultura específica.

Porém, as aparências enganam, pois o triunfo do esquerdismo tecnocrático significa sua própria destruição. Ele se fundamenta numa compreensão defeituosa do conhecimento e do mundo, a qual acaba destruindo o bom senso e o discernimento. Ele depende do consentimento popular, protegendo-o por meio de promessas que não terá como cumprir. Num nível mais básico, o esquerdismo tecnocrático precisa dos seus ideais, vez que depende de elites governantes fiéis e até certo ponto dedicadas, e o ideal de liberdade igualitária que o inspira se tornará cada vez menos digno de crédito com o passar dos anos e à medida que o sistema perde em termos de liberdade e se divide cada vez mais em classes. A classe superior dominará cada vez mais as pessoas nos estratos mais baixos, cuja condição de vida piorará dia após dia. Além disso, uma elite coerente e de espírito público terá pouca chance de sobreviver numa sociedade diversificada e multicultural, na qual haverá cada vez menos confiança social e na qual cada vez mais integrantes da elite considerarão ter direito aos benefícios, em vez de serem distribuidores desinteressados da proteção e dos benefícios à sociedade.

O resultado previsível dessas tendências será uma sociedade radicalmente cosmopolita e, portanto, profundamente fragmentada, carecendo de uma fé comum e, por conseqüência, de qualquer base para uma vida pública livre e de cooperação. Numa sociedade assim, a racionalidade pública e o projeto tecnocrático não podem ter continuidade. Portanto, o alicerce do governo provavelmente será uma combinação de dinastias, compadrio, fraude, suborno e força. Assim, as perspectivas do esquerdismo não são muito melhores do que as perspectivas do conservadorismo.

A questão que se coloca hoje, portanto, é como promover um desenvolvimento que favoreça uma vida melhor em sociedade. A experiência mostra que não adianta nada manipular as instituições ou exigir um pouco mais de religião na vida pública se os pressupostos fundamentais são defeituosos até a raiz. Quem quiser melhorar as coisas deve procurar uma transformação fundamental das perspectivas. As pessoas devem ser conservadoras não no sentido de manter as tendências e os esquemas atuais, mas no sentido de valorizar o que essas tendências e esses esquemas rechaçam: a História, a natureza humana e os padrões e vínculos, como a família, a religião e a cultura específica, que são necessários para o funcionamento normal da sociedade.

Elas também precisam reconhecer que uma sociedade normal deve ter elementos tanto particulares quanto universais. Uma rede de instituições e um modo de vida não podem funcionar sem a âncora de um determinado povo com instituições e um modo de vida. O povo brasileiro é complexo; portanto, para que a sociedade brasileira funcione normalmente, ela deve funcionar como um complexo de sociedades correspondentes às variações regionais, locais, étnicas e religiosas encontradas na vida brasileira. Ela deve ser federal e local, em vez de nacional e totalizante.

Portanto, um Brasil melhor precisaria permitir que várias tendências religiosas, históricas e culturais se mantivessem e desenvolvessem dentro de uma ordem política e civilizatória única. Essa tarefa não é simples. A Cristandade já permitiu algo assim, mas as variações locais de devoção, culto e, ao fim e ao cabo, confissão não redundaram em diferenças absolutas de religião. Porém, uma limitação desse naipe parece inevitável, pois uma sociedade política com um sistema complexo de cooperação razoavelmente livre exige uma compreensão única das questões centrais para que seja possível haver um debate produtivo dos problemas básicos. A distinção entre Cristo e César permitiu a coexistência dessa compreensão única com diferenças nítidas em termos de costumes e instituições sociais. Aparentemente, nada do que existe hoje em dia pode surtir esse efeito.

Dessa forma, é evidente que a maior esperança para o futuro está numa Cristandade renovada, ainda que incompleta. A alternativa parece ser a reação a acontecimentos específicos que não conseguem dar conta de problemas básicos e, assim, aceita as tendências em curso. Aparentemente, a Cristandade é uma meta irreal, mas o esquerdismo tecnocrático não durará para sempre e, como a natureza abomina o vácuo, não há uma receita pronta para o que virá depois, e um êxito parcial ou local é melhor do que nenhum. A perspectiva e o modo de vida que melhor contemplam as necessidades e aspirações humanas terão, provavelmente, uma vantagem comparativa num tempo de desordem cada vez mais radical.

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