Se vocês acompanham o noticiário sobre esse assunto, certamente leram as afirmações que ganharam as manchetes nas semanas que se seguiram: “Transgênicos aumentam em até três vezes ocorrência de câncer em ratos”, “Ratos alimentados com milho da Monsanto desenvolvem tumores” ou “Pesquisa diz que transgênicos causam tumores”, entre outras. As manchetes, habilmente engendradas para causar temor, foram completamente ofuscadas pelo que as acompanhava: fotografias de ratos de laboratório ostentando imponentes tumores.
Quase imediatamente, o estudo foi condenado pela comunidade científica, que salientou problemas graves de metodologia e interpretação. Alguns, como Mark Tester, professor de fisiologia vegetal do Centro Australiano de Genômica Vegetal Funcional, questionou as afirmações fora do comum feitas no estudo. Afinal de contas, as plantas geneticamente modificadas são produzidas há 15 anos e trilhões de refeições que contêm ingredientes transgênicos já foram consumidas por seres humanos e animais. Ele fez o seguinte questionamento: “Se os efeitos são tão grandes quanto se supõe, e se o trabalho é realmente relevante para os seres humanos, por que os norte-americanos não estão morrendo como moscas?”.
Outros questionaram os métodos estatísticos empregados no estudo. Um grupo de cientistas enviou uma carta ao editor do periódico no qual o estudo foi publicado, pedindo a reconsideração da publicação. Eles criticaram as conclusões, afirmando que “[esse] estudo não apresenta provas sólidas que apoiem suas afirmações. Na verdade, as falhas do estudo são tão óbvias que o trabalho nunca deveria ter sido aprovado após a avaliação”. Até mesmo a Administração Européia de Segurança Alimentar entrou na conversa, dizendo serem “incapazes de considerar cientificamente legítimas as conclusões dos autores”.
Eu li atentamente o trabalho de Séralini et al. e não demorou para sentir cheiro de picaretagem no ar. Acompanhem meu raciocínio.
Os ratos usados no estudo são um tipo específico de rato de laboratório que costuma ser usado em pesquisas sobre o câncer. Eles são conhecidos como ratos “Sprague-Dawley”. Esses ratos podem ser úteis no estudo do câncer por causa de sua propensão ao desenvolvimento de tumores cancerosos. Alguns dos ratos alimentados com milho transgênico desenvolveram tumores (como se espera do tipo Sprague-Dawley), mas alguns ratos do grupo de controle (também ratos Sprague-Dawley) também desenvolveram. Isso não foi surpresa nenhuma. O que me causou espécie foi que os autores não acharam que valia pena indicar que todos os ratos usados se encaixavam nas porcentagens de todos os ratos Sprague-Dawley que desenvolvem tumores, independentemente da sua alimentação.
Outra coisa que me chamou a atenção foi o fato de terem sido usados muito poucos ratos no grupo de controle: apenas 10 machos e 10 fêmeas. Foi dito que não houve tantos efeitos nocivos à saúde nesses grupos de controle minúsculos quanto nos 180 ratos do estudo. Mas isso não é exatamente surpreendente. Em Estatística, isso se chama “erro de amostragem”. Por exemplo, se eu pusesse uma venda sobre meus olhos e tirasse 10 Confetis™ de um saco, provavelmente não ficaria surpreso se não tirasse nenhum verde. Com uma amostra de apenas alguns docinhos, é impossível saber se aqueles que eu peguei representam a totalidade do saco. Como se diz em Estatística, “o tamanho (da amostra) conta”.
Tom Sanders, chefe da divisão de Ciências da Nutrição do King’s College de Londres, foi um dos tantos que salientaram problemas com o método utilizado. Ele afirmou que “aparentemente, os autores saíram para fazer uma pescaria estatística”. Parece que apenas um estatístico ficou satisfeito com o estudo, “pois ele é um belíssimo caso clássico para apresentar numa aula de Estatística sobre concepção, análise e apresentação incorretas”. Ele acrescentou: “Vou começar a usá-lo imediatamente”.
O estudo dos ratos e suas conclusões de que o milho transgênico causa câncer em ratos ou qualquer outro animal foi condenado praticamente por todos os outros pesquisadores como uma excursão absurda pelo reino da Estatística enganosa. O lugar desse estudo é o fundo da lixeira da pseudociência.
Mas vocês devem estar se perguntando por que eu estou desenterrando esse assunto um ano depois. Explico: é porque acho que o estudo foi significativo por outros motivos. Mas falo sobre isso daqui a alguns dias.
Por falar nisso, vocês leram o meu artigo sobre vacas e milhos? Quem perdeu, pode ler aqui.
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