quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A voz e as imagens dos ratos pelo mundo

Caríssimos leitores, eis-me cá de volta após duas semanas de intensa turbulência na minha vida pessoal. Espero ter céus de brigadeiro à frente, senão a fuselagem não agüenta!

Bem, no meu último artigo, eu examinei um estudo a respeito da alimentação de ratos propensos à formação de tumores com milho geneticamente modificado. Quase imediatamente após a publicação desse estudo, ele deu margem a todos os tipos de acusações de cientistas e pesquisadores que encontraram falhas crassas nos métodos e nas conclusões do estudo. Mas como a mentira corre meio mundo antes que a verdade tenha tempo sequer de calçar as meias, o estudo e as fotos assustadoras dos ratos anexadas ao estudo foram levados a sério.

Em virtude do estudo, a Rússia proibiu temporariamente a importação de qualquer tipo de milho transgênico. Embora a Rússia tenha anulado rapidamente a proibição assim que percebeu que o estudo era uma farsa, outros países, como o Quênia, ainda citam o estudo para justificar a continuidade da proibição de produtos transgênicos, mesmo um ano depois.

Nos Estados Unidos, outras pessoas, como Jeremy Seifert, diretor de um documentário contra os transgênicoscitou o estudo como motivo para acreditar que os alimentos geneticamente modificados poderiam ser responsáveis pela deterioração da saúde das pessoas. E Michael Hansen, cientista da Consumer’s Union, citou o estudo num depoimento à Assembléia de Nova Iorque em meados deste ano. Ele sustentou que qualquer produto que contenha ingredientes geneticamente modificados deveria ser marcado com um rótulo obrigatório, entre outras coisas, em virtude das possíveis "conseqüências indesejáveis" do consumo de alimentos geneticamente modificados. Referindo-se ao estudo com os ratos nesse depoimento, ele disse: “No último mês de outubro (sic), foi realizado um estudo de alimentação, com duração de dois anos, que concluiu que o milho GE causa tumores e morte prematura”.

Fico preocupado com o fato de esse estudo ridículo continuar sendo levado a sério. Sempre que vejo pessoas recorrendo à pseudociência para argumentar, paro e questiono a motivação delas.

Agora, quero discorrer sobre outra conseqüência perturbadora desse estudo: o uso de imagens com forte carga emocional no debate, sendo algumas delas provenientes do "estudo dos ratos".

Quando, há pouco tempo, parei para ler o estudo para saber a verdade, descobri algumas dessas fotos escondidas na página 5. Lá estavam elas em toda a sua grotesca glória: fotos de mãos enluvadas segurando três ratinhos brancos de laboratório, todos eles incapacitados com tumores enormes. Deixando de lado o objetivo dessas fotos no estudo em si (houve quem argumentasse que elas haviam sido incorretamente colocadas no estudo, principalmente porque nenhuma delas exibia um rato do grupo de controle, e alguns ratos desse grupo também apresentaram tumores), eu me preocupo com a maneira como eu as vi sendo usadas.

Talvez você, leitora, já tenha visto algumas das imagens usadas nos debates sobre transgênicos: fotos de uma espiga de milho ou de um tomate com aspecto apetitoso e uma seringa ameaçadora pairando por cima da hortaliça; pessoas ao lado de uma plantação, envergando roupas próprias para lidar com materiais tóxicos e máscaras contra gases; ou até mesmo essas fotos de ratos "empapuçados" de tumores.

Minha preocupação é que essas imagens (que normalmente pipocam quando alguém está vociferando contra os perigos dos transgênicos) tendem a ofuscar qualquer argumento apresentado, além de deixar a impressão indelével de que não é seguro consumir alimentos geneticamente modificados.

Para quem tentar tomar decidir racionalmente sobre se deve ou não ingerir alimentos geneticamente modificados, essas imagens explícitas distraem a pessoa, impedindo que ela raciocine de verdade sobre o assunto. As imagens têm a intenção de contornar o cérebro, gerando uma reação emocional esmagadora.

Alguns anos atrás, o filósofo Leonard Peikoff deu uma excelente palestra (intitulada "A Picture is not an Argument", ou seja, "Uma imagem não é um argumento") que examina mais detidamente o uso de imagens grotescas e com grande carga emotiva em debates e discussões. Nas palavras dele: “A emoção intensa faz com que seu foco fique mais estreito e cego a todas as outras considerações (...) Em outras palavras, a imagem induz a reagir a um exemplo concreto, e, ao mesmo tempo, ignorar despreocupadamente todas as informações adjacentes que permitem interpretar a imagem de maneira racional”.

A imagem faz com que todas as outras provas e os fatos “se esvaiam em uma aparente insignificância e desapareçam da sua tela mental”, segundo Peikoff. Essa é uma técnica antiqüíssima (procure "apelo à emoção" em qualquer livro didático de Lógica"), e acho que isso diz muita coisa. No caso dos transgênicos, o que as pessoas que usam essas imagens provocativas querem que você ignore? Pensem nisso.

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