domingo, 15 de dezembro de 2013

Arrogante? "That's my middle name, sir!"

Edvard Munch - A Montanha da Humanidade com o Sol de Zaratustra (1910)
Sei que elogio em boca própria é vitupério, amáveis leitores, mas, sou um tradutor extremamente competente, elogiado em verso e prosa por quem contrata meus serviços. Extremamente competente (e, por que não dizer, genial) que sou, me dou o direito de exigir o mesmo nível de competência de outras pessoas que se dizem tradutores, além de esculhambar quem se dispõe a assumir um trabalho de tradução e, excuse my French, cagam e sentam em cima.
Meu excesso de competência me põe a pensar por que cargas d'água as pessoas em geral se regozijam em tachar pessoas como eu de arrogante.

Como a verdade etimológica é libertadora, vamos buscar no latim clássico o significado de "arrogante". O adjetivo vem de arrogans, -antis, particípio presente do verbo arrogo (-as, -are, -avi, -atum). No sentido próprio, "pedir a mais", donde, na linguagem jurídica, temos o significado de "ajuntar", "associar". Esse sentido é abonado em Tito Lívio, Ab Urbe Condita, 7, 25, 11: cui unico consuli, (...) dictatorem arrogari haud satis decorum uisum est patribus ("ao cônsul único... os pais não julgaram conveniente associar um ditador"). Já no sentido figurado, temos "tomar (indevidamente) algo para si", abonado em Cícero, Brutus, 292: (...) (sapientiam) sibi ipsum detrahere, eis tribuere qui eam sibi adrogant. ("recusar a si mesmo (a sabedoria) e atribui-la àqueles que a tomam para si."). A base de arrogo, -are é o prefixo ad- ("para", "ao lado de", "junto") somado ao verbo rogo ("pedir", "propor").

O sentido figurado foi o que prevaleceu na linguagem popular, ou seja, seja, arrogante é o sujeito que se sente superior aos outros.

Mas qual é o problema de uma pessoa ser superior aos outros num aspecto ou vários da vida e ter plena consciência disso? Salvo melhor juízo, admitir é o primeiro passo para a redenção. Então, faria eu melhor em elevar aos píncaros a estultícia e incapacidade dos medíocres (ou seja, daqueles que estão no meio, que não se destacam)?

A amável leitora pode argumentar que, com essa atitude, busco narcisisticamente diminuir a concorrência que porventura crie alguma dificuldade honesta. Mas existe uma pequena falha nessa argumentação: excesso de humildade também faz mal.

"Humildade" vem do latim humilitas, -tatem, cujo sentido próprio é "pouca elevação", "baixa estatura" (cf. César, De Bello Gallico, 5, 1, 3), e por extensão, "mais próximo da terra" (humus, da raiz proto-indo-européia *dhghem-. Por outro lado, o termo húmus (que passou ao vernáculo por via erudita), é a matéria orgânica resultante da decomposição de animais e plantas para adubar o solo. O húmus libera vários nutrientes, além do nitrogênio.

O nitrogênio é um gás que ocupa 78% da atmosfera, ou seja, a grande maioria. Entretanto, o ser humano não respira nitrogênio!

Aproximadamente 20% da composição da atmosfera consistem em oxigênio. Em regiões muito poluídas, essa proporção diminui. Portanto, o oxigênio é relativamente raro, mas sua importância (ou seja, "competência") em relação aos outros gases é muito maior.

Então, vemos que o oxigênio é o competente, o destacado, o importante; já o nitrogênio é o medíocre. Se os gases falassem, o nitrogênio assacaria contra o oxigênio a pecha de de "arrogante", tendo, assim, uma excelente desculpa.

A inveja é o sentimento de ódio e ressentimento pela alegria e prosperidade do outro. Uma dorzita de cotovelo pode não ser de todo má, mas usá-la para passar recibo da própria incompetência denota um sentimento muito abaixo da humildade, um sentimento subterrâneo, infernal (etimologicamente falando) até.

A individualidade é uma conquista do ser humano. Procurar ser igual a todos, não se destacar "para não levar martelada" é atitude de comunista. A ambição é o único fator que promove as possíveis vitórias.

Portanto, quem impinge a outra pessoa o rótulo ed "arrogante" não passa de um péssimo jogador e um perdedor pior ainda.

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