domingo, 9 de março de 2014

A (i)moralidade das tatuagens e dos piercings

Muitas pessoas de bem sentem repulsa por modinhas modernas, inclusive tatuagens, o uso de uma infinidade de brincos e outras perfurações pelo corpo, mas lhes falta o equipamento intelectual para fazer um juízo claro sobre a moralidade dessas práticas ou para refutar a acusação de elevar suas preferências pessoais ao estatuto de um código moral. Neste artigo, exponho alguns critérios relevantes para fazer um juízo moral sobre essas coisas.

No Antigo Testamento, foi especificamente ordenado ao Povo Eleito:

.וְשֶׂרֶט לָנֶפֶשׁ, לֹא תִתְּנוּ בִּבְשַׂרְכֶם, וּכְתֹבֶת קַעֲקַע, לֹא תִתְּנוּ בָּכֶם: אֲנִי, יְהוָה


Não farás cortes em tua carne para os mortos, nem gravarás marcas em ti: eu sou o SENHOR. (Levítico 19:28).

Inspirado por Deus, São Paulo nos adverte:

ἢ οὐκ οἴδατε ὅτι τὸ σῶμα ὑμῶν ναὸς τοῦ ἐν ὑμῖν Ἁγίου Πνεύματός ἐστιν, οὗ [ἔχετε] ἀπὸ Θεοῦ; καὶ οὐκ ἐστὲ ἑαυτῶν;

Ou não sabes que teu corpo é um templo do Espírito Santo dentro de ti, que [recebeste] de Deus?(1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, 6:19).

Sendo um templo do Espírito Santo, nosso corpo merece o cuidado, a proteção e o decoro devidos. Em algumas culturas, uma marca ou um desenho especial no corpo – na testa, por exemplo – significa uma determinada realização ou o estado civil, ou o que for, sendo socialmente aceitável. Os cristãos etíopes, para mencionar apenas um grupo, usa cruzes tatuadas em suas testas. Em Samoa, era amplamente habitual tatuar o filho ou a filha primogênito(a) da família governante local. Nas sociedades Ocidentais, brincos e maquilagem são aceitos como parte da moda feminina e de sua apresentabilidade pública. No entanto, em nossa sociedade, alguns tipos de perfurações e decorações corporais são radicais e não se justificam, e algumas delas são motivadas por sentimentos anticristãos.

Seria impossível fazer um juízo nítido e definitivo sobre todos os adornos corporais, mas podemos indicar alguns aspectos negativos que são relevantes para um cristão. Neste artigo, deixo claro que, salvo indicação em contrário, me refiro apenas às sociedades Ocidentais. Falarei primeiro sobre os aspectos mais sérios e, depois, dos mais leves.

1. Imagens diabólicas. Tatuagens de demônios são bastante comuns, e nenhum cristão deve jamais expor a imagem de um diabo ou símbolo satânico.

2. O triunfo do feio. Esta é uma marca de Satanás, que odeia a beleza da criação de Deus e tenta destruí-la e arruinar sua apreciação pelos outros. Mais do que apenas feios, algumas perfurações corporais são a expressão prazer de ser feio.

Eu reconheço ou mau gosto em tatuagens, anéis e pinos examinando sua natureza, seu tamanho, sua extensão e o lugar do corpo em que se encontra. Ironicamente, até mesmo tatuagens floridas e coloridas desbotam com o tempo e acabam com uma aparência escura e triste. Se pensarmos em como, nos campos de concentração, os prisioneiros eram tratados como animais e tinham seus braços marcados com um número, causa muita espécie pensar que, hoje em dia, as pessoas adotem marcas semelhantes como se fossem modernas ou elegantes. O comportamento de pessoas que não tem noção alguma de dignidade da pessoa humana é, sem dúvida, um sinal de volta à barbárie.

3. Automutilação e desfiguração. Esse é um pecado contra o corpo e o Quinto Mandamento. Alguns piercings beiram a automutilação. Na melhor das hipóteses, a multiplicidade de piercings não passa de maus tratos autoinfligidos. Uma forma de ódio ou rejeição por si mesmo leva certas pessoas a se perfurar ou decorar de maneira repugnante e prejudicial. O corpo humano não foi feito por Deus para ser uma almofada para espetar alfinetes nem para ser um mural.

4. Prejuízo à saúde. Médicos já se expressaram publicamente sobre essa questão de saúde. Em 2001, pesquisadores da Universidade do Texas e da Universidade Nacional Australiana publicaram artigos sobre o mal causado à saúde por tatuagens e percings. Alguns brincos (no umbigo, na língua ou no pavilhão auricular) são prejudiciais à saúde e causam infecções ou prejuízos duradouros, tais como deformações da pele. Eles também podem envenenar o sangue por algum tempo (septicemia). Algumas perfurações (por exemplo, no nariz, nas sobrancelhas, nos lábios, na língua) não se fecham mesmo quando o objeto é retirado. Portanto, essas perfurações são imorais, pois não se deve pôr a saúde em risco sem um motivo cabível. Se forem feitos sem higiene, as tatuagens e os piercings podem causar infecções. Um instrumento usado, se não for devidamente esterilizado, seguramente transmitirá hepatite ou HIV.

Algumas pessoas esperam evitar os riscos à saúde usando tatuagens de hena, que são pintadas, em vez de serem feitas com agulhas. A pintura com hena é um antigo costume hindu de casamento, que consiste em pintar motivos florais nos pés e nas mãos. Um estudo realizado por pesquisadores alemães em 2001, concluiu que os turistas que voltavam para casa com tatuagens de hena feitas em Bali, Bangcoc e outros lugares procuravam atendimento médico em virtude de graves infecções cutâneas e, às vezes, alergias crônicas. Em alguns casos, ainda, o pigmento usado fazia com que a tatuagem desbotasse, mas, depois de algumas semanas de irritação da pele, o desenho voltacva a aparecer na forma de uma tatuagem avermelhada, muitas vezes causando fortes dores no paciente. As alergias se manifestavam de 12 horas a uma semana após a aplicação da hena, causando comichão, rubor, bolhas e descamação intensos.

5. Desejo de chocar e causar repulsa. Pode ser adequado chocar as pessoas, por exemplo, quando se relata os dramas dos pobres e famintos, ou quando se protesta contra crimes ou trabalho escravo. Isso pode ser saudável se for feito da maneira devida e com o devido cuidado, para tirar as pessoas de um estado de abulia e fazê-las perceber que algo precisa ser feito. Mas chocar as pessoas pelo simples prazer de chocar, sem intenção de promover a verdade e o bem, não é uma virtude. Ao contrário, indica uma noção pervertida de valores.

Quando avalio as tatuagens sob o prisma da repulsa, vemos a natureza das imagens, o tamanho e o número de tatuagens, além de seu posicionamento no corpo. Quando avalio os piercings, levo em conta sua extensão e sua localização no corpo.

6. Indecência e irreverência. Sempre é imoral fazer ou exibir tatuagens de imagens ou frases indecentes, ou figuras sarcásticas de Nosso Senhor ou de Sua Mãe, ou de coisas sagradas.

7. Sinais de desorientação sexual. Em tempos d'antanho, os piratas eram os únicos homens que usavam brincos (fosse qual fosse o motivo!), e marinheiros e aberrações de circo eram praticamente as únicas pessoas que se tatuavam. O que antes era limitadíssimo se espalhou para camadas mais amplas da população. Na década de 1970, um brinco na orelha esquerda, direita, ou em ambas as orelhas de um homem representava um código da sua orientação sexual e, portanto, uma forma de atrair parceiros. Dessa forma, era algo flagrantemente imoral e, de maneira geral, um outdoor da imoralidade da pessoa. Meninos e homens usando brincos passaram a ser tão comuns que esse ato perdeu seu significado, mas esse adorno nunca é exigido em situações sociais, como paletó e gravata em determinadas ocasiões formais. Mesmo admitindo a falta de um simbolismo claro nos dias de hoje, eu espero que qualquer seminário ordene a qualquer candidato que tire brincos ou piercings antes de entrar e lhe questione quando e por que começou a usá-lo. Um seminarista ou padre que exibe um brinco não é socialmente aceitável na Igreja Católica. Um número considerável de paroquianos se perguntaria a respeito dos motivos ou das motivações mais profundos. Ninguém em tal posição pública começa a usar um brinco sem tomar uma decisão deliberada. Como um padre jesuíta bastante sábio me disse certa vez, “Ninguém muda o exterior sem antes ter mudado o interior”. Isso é considerado o que as pessoas chamam de “dar o recado”. O mesmo código de conduta esperada vale para homens em outras profissões, como policiais ou professores.

Os patrões e chefes devem criar regras para proibir o uso desses adornos por funcionários e alunos homens. Essas regras devem valer especialmente para os mais jovens, para protegê-los de si mesmo e da pressão dos colegas. O fato é que, mesmo hoje em dia, os brincos predominam entre as mulheres, e apenas uma minoria de homens os usa.

8. Inadequação. Às vezes as pessoas fazem uma tatuagem enorme de um crucifixo ou de outra imagem sagrada. O corpo humano é o lugar mais inadequado para essas imagens, mesmo que seja muito bela. Quando essas pessoas vão, por exemplo, nadar numa piscina, elas exibem essa imagem de maneira inadequada. Não vemos um sacerdote ir a um shopping center vestido para a Santa Missa, não porque haja algo errado com a vestimenta em si, mas porque existe hora e lugar certos para ostentar símbolos religiosos especiais.

9. Vaidade. Há pessoas que se comprazem em tatuar braço e antebraço para ostentar e impressionar. É um meio que têm de chamar a atenção para si. Ninguém que se encontrar com essas pessoas conseguirá ignorar as tatuagens, que chegam ao ponto de criar distração constante, desviando a atenção do que a pessoa tem a dizer para sua aparência exterior. Podemos dizer o mesmo de piercings na língua e na sobrancelha, argolas no nariz, ou brincos em toda a orelha. Nada disso faz parte da nossa cultura; no máximo, fazem parte de uma determinada subcultura, de uma minoria, sem nenhum significado social ou religioso positivo. Não estou dizendo que é errado se vestir bem, mas a questão, neste caso, é a moderação e a discrição. A Sagrada Escritura reconhece implicitamente ser adequado que a noiva se enfeite para seu marido, comparando a Jerusalém celestial a essa mulher:

καὶ τὴν πόλιν τὴν ἁγίαν Ἰερουσαλὴμ καινὴν εἶδον καταβαίνουσαν ἐκ τοῦ οὐρανοῦ ἀπὸ τοῦ θεοῦ,ἡτοιμασμένην ὡς νύμφην κεκοσμημένην τῷ ἀνδρὶ αὐτῆς.

(E a cidade sagrada, a nova Jerusalém, eu vi descer do Céu, de Deus, tendo sido preparada como uma noiva [que foi] adornada para seu marido.

(Revelação, 21:2).

É adequado que uma moça se vista bem e se maquile quando a ocasião pedir, mas todos reconhecem quando os adornos são exagerados.

10. Imaturidade e imprudência. Um ato aceitável ou indiferente em si pode se tornar errado se a intenção ou o motivo for errado. Alguns jovens seguem modas escandalosas pelo desejo imaturo de se rebelar contra a sociedade ou seus pais. Essa desobediência contra os pais é pecaminosa. Alguns fazem isso pelo desejo imaturo de imitar os amigos, e outros, pelo também imaturo desejo de se destacar de todos ao seu redor. Alguns fazem isso por tédio, por ser algo diferente, por ser emocionante, por ser algo que seus amigos poderão admirar e comentar. Seguir modas de maneira irrefletida sempre será sinal de imaturidade. Para os jovens que moram com seus pais, sob a autoridade deles, basta que os pais exponham seu desagrado com essas modas para que os filhos saibam que não devem prosseguir. Alguns jovens vão ainda mais longe, competindo entre si para ver quem consegue aplicar mais piercings. Os pais devem proibir totalmente esse comportamento.

É praticamente impossível que os jovens justifiquem o enorme gasto (para não falar da dor) de fazer uma tatuagem. Além disso, é injustificável e simplesmente estúpido marcar o corpo para o resto da vida com imagens que não valem grande coisa ou, inda pior, com o nome do(a) namorado(a) de plantão. Há pessoas que gastam uma pequena fortuna (até R$ 10.000) para tatuar um braço de cima abaixo. São sessões longas (chegando a até quatro horas).

As tatuagens são piores do que os outros adornos porque são marcas permanentes. Muitos homens e mulheres se tatuam na juventude, mas, anos depois (às vezes não muito) se arrependem quando passam a considerar as tatuagens uma desfiguração constrangedora. Quando amadurecem, pagam os olhos da cara pela remoção das tatuagens - uma tarefa difícil e de altíssimo custo, que invariavelmente deixa cicatrizes. A retirada de tatuagens de grande porte exige cirurgias com anestesia geral (e todos os riscos de uma cirurgia), além do custo elevadíssimo da internação e do tratamento posterior. Retirar tatuagens grandes pode deixar grandes partes da pele permanentemente desfiguradas ou manchadas, como se tivessem sofrido queimaduras Muitos adultos não conseguem determinados empregos porque as empresas se recusam a empregá-los com as mãos e os braços cobertos por tatuagens impossíveis de ocultar anos após a "aventura" na juventude.

Critérios Universais
Em qualquer cultura, as coisas podem surgir, ganhar aceitação e se tornar parte da cultura, mas essa aceitação não as transforma automaticamente em algo correto. Vou dar alguns exemplos de culturas estrangeiras (curiosamente, nenhuma Ocidental), que considero igualmente errados. Numa tribo africana, as mulheres ostentam brincos gigantes e pesados que mudam a forma dos lóbulos das suas orelhas. Noutro lugar, as mulheres põem argolas em seus pescoços para alongá-los artificialmente, ou põem chapas na boca para que seus lábios fiquem alguns centímetros mais longos. Na China, havia o costume de amarrar os pés das meninas com muita força para impedir que eles crescessem, pois pés pequenos e delicados eram admirados. Essas e outras alterações drásticas no crescimento natural do corpo humano devem ser consideradas imorais como formas de mutilação decorrentes da vaidade.

Nem sempre é possível traçar uma linha exata e dizer onde os limites da moderação foram ultrapassados, mas isso não quer dizer que não exista um limite. Ninguém pode definir a temperatura exata em que um dia passa de fresco para frio, mas todo mundo sabe que que, quando a temperatura se aproxima de zero, não há dúvida de que está frio. Nunca devemos cair no truque de quem tenta argumentar, com base em casos limítrofes ou difíceis, que não há diretrizes nem princípios, e que não existe média nem moderação só por causa da dificuldade de defini-las.

O corpo humano deve ser tratado com cuidado, e não maltratado ou desfigurado. Sua dignidade e sua beleza devem ser preservadas e cultivadas para que ele expresse a beleza mais profunda da alma.

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